O capitalismo está na raiz do crime que chocou nossa região esta semana

Nos últimos dias os noticiários locais e as redes sociais anunciaram, para variar, mais um caso de extrema e gratuita

Nos últimos dias os noticiários locais e as redes sociais anunciaram, para variar, mais um caso de extrema e gratuita violência. Não mencionarei o nome da vítima por considerar inapropriado tanto para sua memória quanto para o profundo luto pelo qual passa sua família. Não pretendo, também, me aproximar dos veículos de imprensa e páginas de fofoca que se promovem com crimes diariamente, se importando mais com o engajamento que vão gerar em seus posts do que com a dor e o sofrimento das famílias. Minha intenção é chamar a atenção para as causas mais gerais de acontecimentos lamentáveis como o ocorrido.

Tenho visto nas referidas páginas de fofoca e sensacionalismo disfarçado de notícia, todo tipo de justificativa para o assassinato de uma jovem. Como não poderíamos esperar muito, alguns chegaram até a culpar a vítima. Esta teria, segundo estes, sido despreocupada demais com sua segurança. Teria, como se diz no linguajar mais popular: dado bobeira. Para outros, a força policial foi vagarosa em localizar os suspeitos antes do pior. Enquanto para alguns, tudo aconteceu por falta de Deus. Há outros argumentos tão “complicados” quanto os citados, mas acredito que estes já dão uma boa ideia do conjunto.

O que ninguém tem falado sobre esse crime ocorrido na região, é que ele foi produzido por uma sociedade que, em larga medida, é condizente com e reforçadora desse tipo de violência entre outras tantas. Por mais dura que seja a realidade, jamais podemos culpar a vítima por, ao menos alguns instantes, pensar estar segura. Não é o que todos gostaríamos? Como podemos culpar alguém por confiar um mínimo que seja na humanidade?

Chegamos ao ponto em que muitas pessoas, talvez como as que acusam a vítima de ter dado bobeira, normalizaram uma vida de pavor e medo constantes, sobretudo para as mulheres. Não! Isso não é e não pode ser normalizado. As mulheres são as maiores vítimas de tráfico de pessoas, além disso, a cada minuto duas mulheres são estupradas no Brasil. É impossível naturalizar isso dizendo que o mundo é assim mesmo e que as mulheres precisam ter cuidado. Ao mesmo tempo, esse discurso é compreensível, pois ele desvia os olhares do problema real, o que alinha-se completamente com a manutenção da sociedade que produz essa situação desumana para as mulheres.

A nossa sociedade baseada exclusivamente na busca pelo lucro, não considera as pessoas como verdadeiramente humanas, mas apenas como meio de obtenção de mais lucro. Não há ética no capitalismo, já alerta há muito tempo o marxismo clássico. Para esta sociedade somos coisas, e como tal, não há problema com a violência generalizada da qual as maiores vítimas somos nós, classe trabalhadora. Desde que isto, claro, não afete os dividendos das grandes empresas. Uma coisa não tem vontade, não tem escolha, não tem “espírito”, é só uma coisa e pode assim ser usada como bem convir. É nisso que o capitalismo nos torna e é assim que esse sistema percebe vítimas de crimes bárbaros como o ocorrido em nossa região.

Quanto a força policial ter supostamente demorado para agir, não podemos nos enganar. A polícia é o braço armado do Estado, está a serviço dos interesses do Estado, e este, como sabemos, não passa do administrador dos interesses da elite econômica. Agir em defesa do cidadão (que nada mais é que uma criação da burguesia) significa, na verdade, impedir que os cidadãos comprometam os interesses das elites e do seu lacaio: o Estado.

A polícia, portanto, não é a causa do problema, mas uma consequência útil. Sem uma força policial que contenha minimamente (ou pelo menos tente) a violência, a situação pode se generalizar e sair completamente do controle. Isso seria ameaçador para o Estado e seus mantenedores, por tanto, uma ameaça para o próprio capitalismo. É preciso então criar uma falsa sensação de segurança, para que o povo não se revolte completamente e ponha em risco a tranquilidade dos capitalistas. Mas lembremos sempre: a polícia não está nas ruas para nos defender, isso é só um efeito colateral, ela está aí para defender o Estado. Os nossos interesses são diametralmente opostos aos do Estado.

Quando a suposta falta de Deus, como causa do ocorrido, é preciso ponderar o seguinte. Primeiro. Não obstante a fé que a maioria das pessoas nutrem num ser superior, numa divindade, a realidade é imanente. Ela independe de nossa subjetividade e das nossas crenças, ainda que possamos ter nosso agir no cotidiano substancialmente influenciado pela crença religiosa. Logo, a falta ou o excesso de Deus por parte da vítima não tem absolutamente nada a ver com esse crime. Do lado dos supostos acusados, o embrutecimento do humano imensuravelmente exacerbado pelo capitalismo tem um papel decisivo. O que de modo algum diminui a gravidade do ocorrido.

Segundo. A religião ou Deus é sempre evocada nesses casos como uma forma de desvio dos reais problemas. Isso pelo fato da religião ser uma poderosa ferramenta ideológica e um “meio” de alienação por excelência. Como tal, o complexo religioso é extremamente útil para a reprodução dessa sociedade que coisifica as pessoas e as desumaniza. Não é por acaso que religião e capitalismo convivem tão bem, não há conflito. É sempre mais interessante para a manutenção da ordem vigente dizer que um crime ocorreu por falta de Deus, do que apontar a própria estrutura dessa sociedade como causa maior de toda a violência.

Terceiro. O fato das pessoas supostamente acusadas de envolvimento no crime serem religiosas, apenas confirma o poder ideológico e alienante da religião. Esta que é, em sua forma atual, um produto do próprio capitalismo. Na prática, a religião é também um bom espaço para que pessoas de caráter duvidoso (ou mesmo criminosos) possam se esconder. Dentro das igrejas e sob o manto da religião, tem-se facilmente o respeito e a confiança das pessoas que, influenciadas pela religião e ingenuamente sinceras em sua fé, acabam muitas vezes se tornando vítimas fáceis.

Além do mercado da fé, a religião tornou-se também um grande e confortável clube de caça de predadores. Reiteradamente é noticiado casos de abusos envolvendo líderes religiosos pelo Brasil. No capitalismo degradado, a religião e a religiosidade também tendem a se degradarem. Daí se pode justificar em Deus as mais crueis atitudes e os fatos mais horrendos. A própria humanidade degrada-se cada vez mais sob o regime do capital.

Enquanto isso, continuam os “veículos de imprensa” a olharem para a superfície do problema e tentando a todos custo apontar uma causa, sem sequer tocar na raiz do problema: o capitalismo. A morte de uma jovem não é apenas um sintoma da violência, é um sintoma da desumanização. Esta só poderá ser superada se liquidarmos a sua real causa.