Marxismo e o fim da religião

Por Quaark

9 de abril - 2024

Imagem: Portal Educação

Não é de hoje que muitos entendem o marxismo como diametralmente oposto à religião. Para muitas pessoas, inclusive acadêmicos, ser marxista e católico, por exemplo, é uma grande contradição, afirmando estes que o próprio Marx “pregou” o fim da religião. Automaticamente, quem diz ser comunista, no entendimento desse grupo, deve ser avesso a qualquer religião, sendo no mínimo um ateu convicto.

Mas será isso mesmo, o marxismo é contra a religião? Marx decretou o fim da religião? O comunismo é oposto à religião? É possível ser marxista e ser religioso? Tentaremos brevemente lançar alguma luz sobre essas indagações.

Primeiro vamos a terrível frase de Marx sobre a religião. O pensador mouro, certa vez afirmou que “a religião é o ópio do povo”. Sabemos que ópio é uma droga que tem capacidade de entorpecer o ser humano, distorcendo a realidade que pode ser muito cruel e dolorosa, como um anestésico. É bem nesse sentido que podemos entender a comparação de Marx, a religião como uma droga (sem conotações morais), que alivia a dor, que anestesia a humanidade da dolorosa realidade.

Mas logo na sequência da afirmação anterior, Marx diz que a religião é a denúncia de uma situação real, de exploração, de dominação do homem pelo próprio homem. Nesse contexto, busca-se na religião um refúgio, uma última tentativa, desesperada até, de resolução dos problemas sociais. É óbvio que a religião não resolverá tais problemas, no máximo, trará ao religioso a positiva sensação de que tudo está nos planos de Deus, que um dia ele fará justiça. Mas se essa justiça divina não se concretizar na terra, o religioso também não se abala, pois como recompensa para o sofrimento terreno, o Pai lhe reserva um lugar no paraíso.

Aqui temos um ponto importante, qual seja, ao contrário do que pensavam os idealistas alemães, que a religião é uma consequência da realidade material, ou seja, ela não é a causa daquela realidade de exploração e miséria na qual vive o trabalhador, pelo contrário, ela apenas reflete tal realidade.

Pois bem, se a religião reflete essa realidade, ou seja, é produzida por esta realidade, uma vez que essa realidade se transforme, a religião também se modificará. Por exemplo, quando predominava o escravismo, a religião era produto desta sociedade, inclusive naturalizando-a. Aníbal Ponce lembra-nos muito bem da carta papal onde declara que o escravo deve servir de bom grado seu senhor, sem se furtar ao trabalho, sob pena de incorrer na ira divina.

O feudalismo também produziu a sua religião. Naquele contexto histórico, a religião assumia a reprodução daquela sociabilidade, legitimando a dominação, acalentando os servos com a desculpa de que a miséria na qual viviam era justamente os planos de Deus, dando-lhes assim uma falsa sensação de conforto, confiantes de que seriam recompensados em outra vida. A mesma lógica, com as devidas particularidades, se aplica ao capitalismo, que é especialmente o objetivo da crítica de Marx.

Ora, se mudando o modo de produção, muda-se a religião, pois essa é consequência do primeiro, e, se esta existe como denúncia de uma situação real de miséria e exploração, uma vez que se alcance uma sociedade baseada no trabalho associado, ou seja, o comunismo, a religião perderá o seu sentido de existir. Seria portanto o fim da religião.

Isso é basicamente o que pesa grandes educadores e filósofos brasileiros como Ivo Tonet, autor do livro Marxismo, religiosidade e emancipação humana. É bem verdade que os argumentos não findam por aqui, nesse contexto é preciso ainda considerar a alienação, a ideologia, etc, o que não nos cabe aqui pela natureza do texto.

Mas vale lembrar que Marx não decreta o fim da religião, apenas alguns importantes pensadores deduzem essa ideia de seus escritos. Particularmente, entendemos que a partir de Marx podemos teorizar que em uma sociedade comunista estaria posto a possibilidade, apenas a possibilidade, de não mais existência da religião como nós a conhecemos e com o papel social que esta tem desempenhado nas sociedades de classes antagônicas.

Por fim, marxismo e religião não se opõem como muitos julgam, muito menos que ser comunista implique necessariamente em ser avesso à religião ou ser ateu. O marxismo é uma teoria revolucionária que defende a superação do modo de produção capitalista, e, em decorrência disso, o fim da exploração do homem pelo homem.

O próprio Ivo Tonet conclui em sua obra que a tarefa da emancipação humana não exclui a religiosidade, sendo necessário, todavia, esclarecer alguns pontos dos quais não se pode abrir mão, sob pena de pôr em risco a própria tarefa revolucionária.

Sobre nossa afirmação de que com base no marxismo apenas podemos apontar a possibilidade de não existência da religião como a conhecemos, em outro momento poderemos explicá-la melhor e apresentar alguns elementos teóricos em sua defesa.

Para entender melhor esse debate, recomendamos a leitura do livro de Ivo Tonet mencionado acima.